domingo, 27 de março de 2011

Vítimas da Escravidão do Séc. 21


Números alarmantes mostram que há 12,3 milhões de adultos e crianças forcadas a trabalharem e se prostituir no mundo inteiro, negócio que gera 44 bilhões de dólares. É o maior negócio criminoso do globo, depois das drogas e contrabando de armas.

O tráfico de seres humanos se concentra em explorar as pessoas, que são forçadas a trabalhar e morar em péssimas condições, com pouca ou nenhuma liberdade. Essa forma de exploração aparece na indústria do sexo, no serviço doméstico, no mercado de compras de noivas, construção civil e agricultura.

Estima-se que 250 mil pessoas por ano são capturadas por traficantes na Europa, possivelmente 10% são crianças; os traficantes vendem, trocam pessoas dentro e fora das fronteiras como se comercializassem animais, relatórios não oficiais afirmam que todo ano cerca de 50 mil cidadãos russos são vendidos no exterior e explorados como trabalhadores do sexo na Europa ocidental, no oriente médio e na America do norte. Da Polônia são 15 mil, da Hungria, 30 mil.

São dados absurdos e inacreditáveis; um quadro de violação dos direitos humanos vivermos esse tipo de violência, um crime hediondo desta natureza não poderia deixar de ter  punições duríssimas, o que não acontece no mundo.

No Brasil, a maioria das vítimas do tráfico de seres humanos são mulheres, que abastecem as redes internacionais de prostituição.

Em 2002, a Pesquisa sobre Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes para Fins de Exploração Sexual Comercial (Pestraf) identificou que as vítimas brasileiras das redes internacionais de tráfico de seres humanos são, em sua maioria, adultas. Elas saem principalmente das cidades litorâneas (Rio de Janeiro, Vitória, Salvador, Recife e Fortaleza), mas há também casos nos estados de Goiás, São Paulo, Minas Gerais e Pará. Os destinos principais são a Europa (com destaque para a Itália, Espanha e Portugal) e América Latina (Paraguai, Suriname, Venezuela e Republica Dominicana).

Cerca de 2,5 mil brasileiros são traficados para o exterior todos os anos. O relatório global sobre tráfico de pessoas divulgado em 2009 pelo escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, apontou que as principais vítimas brasileiras são adolescentes e mulheres, enganadas com falsas promessas de trabalho no exterior e traficadas para fins de prostituição. Há ainda, uma nova modalidade, o tráfico de jogadores de futebol, garotos de 8 a 15 anos.

Segundo o Ministério da Justiça, os 996 centros de referência de Assistência Social no país estão sendo capacitados para atender as vítimas. Com o slogan “Trafico de pessoas: ajude o Brasil a não cair nessa armadilha”, campanha ainda está valendo e visa conscientizar a população sobre este crime e denunciar, além do número 180, há também o 100, que recebe denúncias de violação dos direitos humanos, incluindo tráfico de pessoas.

Esse é um problema muito sério que envolve crime organizado e as pressões socioeconômicas levam as vítimas para as mãos dos traficantes. Muitas pessoas têm contado suas histórias, para evitar que outras vivenciem o mesmo dilema.

As meninas ficam muito vulneráveis aos rapazes “amorosos”, que entram em contato pelas redes sociais, até o encontro pessoal. Vários processos estão em andamento no mundo, mas a chave tem que ser ainda a prevenção, pois a violência, o sofrimento, a violação dos direitos humanos, a perversidade que as vítimas vivenciam, são inexoravelmente inesquecíveis.


Assim como muitas meninas nepalesas de famílias pobres, Urmila Chaudhary foi vendida e trabalhou como escrava até ter sido capaz de libertar-se. Hoje com 20 anos de idade, ela trabalha com uma equipe de ex-vítimas, viajando pelo Nepal para libertar outras meninas das garras dos seus escravizadores.

O homem que comprou Urmila encontra-se na zona de transição psicológica entre a vida antiga e a nova da moça. Ele tira um pedaço de tabaco de mascar dos dentes e cospe uma saliva preta em um balde próximo a si na sala de estar. Urmila Chaudhary, que não é mais uma propriedade dele há quatro anos, ajoelha-se no carpete aos pés do homem e lhe entrega uma bandeja com um copo de chá adoçado.

Urmila foi retirada da sua família e transformada em escrava quando era criança. Agora, aos 20 anos de idade, ela tem cabelos longos e negros e uma risada gentil e melodiosa. Ela usa brincos com “smiley faces” azuis e uma saia colorida com uma listra vermelha na bainha, a vestimenta tradicional das mulheres pertencentes à etnia tharu, do Nepal. A roupa dela diz muita coisa sobre a história de Urmila e deste homem – e a respeito das milhares de outras garotas que são vendidas todos os anos assim que atinjam uma altura suficiente para olharem por sobre a borda de uma mesa, mas ainda sejam suficientemente novas para se adaptarem aos seus novos papéis de criadas.

As organizações de ajuda humanitária calculam que 10 mil meninas trabalhem como kamalaris no Nepal. Já em 1956, a Organização das Nações Unidas declarou que todas as formas de trabalho infantil e trabalho por dívidas se constituíam em escravidão e, portanto, deveriam ser proibidas. No entanto, embora o tráfico humano seja considerado oficialmente ilegal em todos os países há muito tempo, ele ainda existe em um grau significativo em cerca de 70 nações. De fato, cerca de 27 milhões de pessoas em todo o mundo são vítimas da escravidão moderna – vivendo em regime de trabalho por dívidas ou sendo obrigadas a praticar a prostituição. Entre 40% e 50% dessas pessoas são crianças, e muitas são da Ásia.

Em muitos países pobres, existe uma tradição de usar crianças escravas em casas de família. As crianças são uma opção prática porque as suas personalidades são flexíveis e tão maleáveis quanto argila nas mãos de um escultor. As crianças escravas são conhecidas por vários nomes: as kamalaris, no Nepal; as restavéks, no Haiti, e as abds, na Mauritânia.
Urmila está livre há quatro anos. Ela vive em um quarto em Lamahi, uma pequena cidade que não fica distante da sua antiga vila. Todos os dias, ela acorda às 5h para estudar e aprender um novo vocabulário. A aproximadamente 9h, ela veste o uniforme escolar, uma saia cinza com dobras, e arruma a gravata. Aos 20 anos de idade, ela é a mais velha da sua classe, e ainda assim está atrasada em muitas matérias. “Isso me deixa furiosa”, diz ela. “O fato de eles sempre terem me prometido que me mandariam para a escola e de eu ter descoberto, no final, que era tudo mentira”.

No final da tarde, ela caminha da escola para casa e muda de roupa. A seguir, ela pega o ônibus para Narti para visitar as meninas no albergue ou vai às vilas para passar algum tempo com as equipes de garotas. Ela as ajuda a decorar as palavras para peças teatrais e campanhas, manifestações e iniciativas para a libertação de outras meninas. Elas mantêm registros de garotas que desapareceram, escrevendo os nomes delas e tentando rastreá-las, mesmo se elas já tiverem sido levadas para outras cidades.

Antes de ter sido libertada, Urmila trabalhou para uma política, uma mulher rica e influente, a irmã do homem que a comprou. Depois de trabalhar para a irmã do homem por alguns anos, ela foi passada para essa mulher. Urmila a chama de a “Mulher Cruel”. A mulher trancou Urmila na sua casa em Katmandu durante anos; ela não tinha permissão sequer para sair sozinha à rua para comprar leite. Ela tinha que cozinhar, fazer faxina e servir as refeições, entre outras tarefas.

“Eu também tinha que fazer massagem nela”, diz Urmila com um sorriso triste. “Todos os dias, na parte anterior e posterior do corpo”. Ela conta que achava essa tarefa repugnante.

A política finalmente a deixou ir embora quando ela fez 16 anos. Urmila tinha começado a fazer perguntas como: Quando eu voltarei para casa? Quando verei a minha família? Ela tinha agora uma idade em que era possível se casar, um momento no qual o contrato kamalari é normalmente dissolvido. Ela também ouviu falar no projeto de resgate de meninas e descobriu que havia pessoas que a ajudariam.

Novas leis geram poucas mudanças

Quando retornou de Katmandu para casa após 11 anos, Urmila começou a frequentar a escola pela primeira vez na vida – aos 16 anos de idade. Urmila aprendeu rapidamente “o ABC” bem como “a somar, a diminuir e a multiplicar”. Os seus lábios se dobram em um sorriso quando ela fala a respeito disso. As suas professoras e os funcionários da organização de auxílio humanitário logo perceberam que Urmila não era como as outras garotas. Ela tinha confiança e desejava falar sobre os seus sentimentos e o seu passado. Não demorou muito para que Urmila fosse escolhida para liderar uma equipe de garotas. E quando 600 garotas usando saias tharus viajaram para Katmandu, a capital do país, foi Urmila que falou em nome delas para o presidente do Nepal. “Eu não estava de fato muito nervosa”, diz ela. “Afinal de contas, eu tinha algo de importante a dizer a ele”.

Pouco depois, o governo nepalês anunciou o seu plano para o fornecimento de 1,2 milhão de euros (R$ 2,8 milhões) para financiar o treinamento e a reintegração das garotas libertadas. Só recentemente o Ministério da Mulher, da Criança e do Bem-Estar Social aprovou uma legislação delineando as políticas governamentais para a proteção à infância, que proíbe a prática do kamalari. Dang, o distrito em que Urmila morava, foi agora declarado uma zona livre do kalamari. A organização de auxílio humanitário colocou placas em vários locais para informar aos moradores de quase todas as vilas sobre as mudanças.

Entretanto, meninas continuam a ser vendidas em outros distritos. Embora seja crime possuir crianças escravas, as leis não têm força, e praticamente ninguém é preso ou multado.

Isso ocorre em parte porque, tendo apenas recentemente emergido de uma década de guerra civil, o país é atualmente administrado por um governo mais ou menos ineficiente. De fato, o Nepal ainda está em um processo de transição de uma monarquia para uma república. Os maoistas, que desejam integrar os seus ex-combatentes ao exército e à polícia, são a força política mais forte. As eleições fracassaram diversas vezes, e as autoridades eleitas estão constantemente renunciando aos seus cargos. Após 16 tentativas fracassadas, um novo primeiro-ministro foi eleito, um homem do Partido Comunista do Nepal (Partido Marxista-leninista Unificado). Algumas semanas atrás, Urmila viajou para Kailali para liderar uma grande manifestação, ainda que estivesse em meio às suas provas finais da oitava série. Ela escreveu um livro, “Criança Escrava”, em colaboração com um autor alemão. O livro acaba de ser publicado na Alemanha. Urmila afirma que a sua história é a história de milhares de outras meninas.

Procurando vítimas e perpetradores

Duas garotas da organização de auxílio humanitário estão no barulhento terminal de ônibus de Lamahi, a cidade em que Urmila mora, em meio à fumaça dos ônibus que chegam ao local. Vendedores de comidas vendem os seus produtos em quiosques. As garotas entram nos ônibus e examinam as poltronas, procurando homens em companhia de meninas de aldeias.

Após algumas horas, elas encontram aquilo que procuravam. Esta é a segunda vez que isso acontece hoje. Um homem jovem está sentado ao lado de uma menina de olhar amedrontado. Ela tem menos de 1,5 metro de altura, e esconde a face arredondada com um grande lenço verde.

Com base nas roupas usadas pelo homem e a sua pele relativamente clara, as mulheres imediatamente percebem que ele é de uma outra região. Elas telefonam para as integrantes da equipe e levam o homem e a garota para o escritório da organização. Elas perguntam ao homem o que ele pretende fazer com a menina e para onde a está levando. O homem movimenta as pernas nervosamente para cima e para baixo, com os braços cruzados sobre o peito. Ele diz que a garota foi prometida a ele como esposa.

Os funcionários da organização de auxílio humanitário pegam o telefone celular do homem e ligam para os familiares dele; eles nada sabem a respeito de tal noiva.

O homem torna-se evasivo e subitamente alega que a garota é a sua cunhada. A menina – que tem 15 anos de idade e se chama Rita – manteve-se em silêncio o tempo todo, escondendo a face e segurando firmemente a sua mala. De repente, ela retira o lenço da face, olha para o homem por um momento e afirma: “Eu nunca vi esse homem em toda a minha vida”.

http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/derspiegel/2011/03/26/vitimas-de-escravidao-infantil-estao-aprendendo-a-reagir.jhtm

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